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Responsabilidade social da mídia no ecoturismo e turismo de aventura

Publicado no(a) Site Família Aventura em Agosto/2003 

Grande parte do crescimento do ecoturismo e do turismo de aventura no país se deve ao papel desempenhado pela mídia. São os meios de comunicação que viram nos esportes de aventura fonte inesgotável de material para programas de grande apelo visual. Esta mesma divulgação tem sido impulsionadora de uma grande indústria que com ela surge. Com isso muita gente passou a conhecer e praticar as apaixonantes atividades ligadas ao esporte e à natureza, fazendo disto uma das maiores fontes de lazer conhecidas.

Pouco divulgados porém são alguns subprodutos, estes negativos, desta massiva divulgação. No afã de reproduzir nas suas vidas reais façanhas que acompanharam com os olhos pregados na televisão, muitos adolescentes e jovens embarcaram em uma viagem sem volta. Saíram de suas casas, nos pontos mais remotos do país, para se pendurar numa corda ou caminhar num despenhadeiro sem terem sido avisados que a atividade encerraria riscos, e que estes riscos seriam minimizados e administrados se fossem tomadas uma série de cuidados com a segurança. Coisa que o programa de tevê não se preocupou em mostrar. Utilizaram-se de equipamentos, técnicas e procedimentos inadequados, movidos pelo tão simples e aceitável desejo de explorar, de se aventurar, de usufruir. E com isso, muitas vezes, engrossaram as estatísticas de acidentes que poderiam muito bem ter sido evitados. Lamentavelmente morreram na mais fina flor de sua vida, e num momento em que se encontravam fazendo uma atividade sadia, recomendável, rica. Com isso, um sem número de famílias no país perdeu um promissor jovem, um garoto do bem. A busca da superação, o mito do herói, o desejo de conquista motivaram e motivam os jovens em todo o mundo. É sadio, é normal.

Cabe entretanto a todos àqueles que promovem, divulgam, incitam, estimulam e propagam estas atividades, a responsabilidade pelas conseqüências. Num país com baixo índice de escolaridade, onde ainda há muito analfabetismo funcional, não é possível deixar ao alvitre do telespectador fazer o julgamento sensato e a avaliação dos riscos envolvidos. Os meios de comunicação, em especial os televisivos, têm a obrigação moral e social de destinar um espaço do programa, seja 10% dele, para realizar uma "conscientização sobre segurança", em que se abordariam todas as medidas a serem tomadas pelo telspectador comum, caso quisesse "imitar"os feitos recém exibidos dos "profissionais da ação e da aventura". Importa sim impedir que turistas desavisados voltem a cair 400 metros Cachoeira da Fumaça abaixo, ou espatifarem sua coluna cervical em meio a rochas escondidas sob as águas nas piscinas dos Saltos 1 e 2 do Rio Preto. Cumpre não deixar mais acontecer naufrágios em que os coletes salva-vidas eram inexistentes ou proibidos de serem colocados.

Quantas vidas já se perderam em quedas junto à Pedra Lisa na Serra do Mar? Quantas vezes os bombeiros foram acionados para retirar corpos presos debaixo de rapéis mal feitos sob as cachoeiras de Brotas? Não queremos mais nossos jovens morrendo de maneira estúpida pela falta de consciência daqueles que se valem dos apelos televisivos da aventura. Queremos que se divulguem sim as maravilhas naturais de nosso país. Mas com consciência, responsabilidade e comprometimento.

BOX DE SEGURANÇA
Na mídia escrita esta questão fica ainda mais fácil de ser resolvida. Da mesma maneira como muitas matérias sobre destinos ecoturísticos trazem ao final o Box de Serviços, criar-se-iam os Box de Segurança. Aos organizadores das Feiras de Aventura, de seminários, cabe a inclusão de um seminário sobre Responsabilidade Ética e Social na Aventura, para jornalistas.

COMISSÃO PERMANENTE DE SEGURANÇA NO TURISMO
A par disto cumpre nomear uma Comissão Permanente de Segurança no Turismo, ligada ao Ministério do Turismo, que se incumbiria de registrar os acidentes do segmento no país, criar normas e padrões. Urge valorizar a vida do turista e do aventureiro. Seja brasileiro, seja estrangeiro. Embarcações, avionetas (que são hoje bastante utilizadas para acessar pólos ecoturísticos afastados), transportes terrestres (buggies e outros), seriam alvo de atenção. De modo algum retirando dos órgãos certificadores e fiscalizadores oficiais, como o DAC, a Capitânia dos Portos a responsabilidade e a incumbência destas funções. Ao contrário, auxiliando-os nestas tarefas, já que o ecoturismo se propaga em tal velocidade pelo país que as estruturas destes órgãos já não são suficientes para dar conta da demanda. Mais além, uma comissão vinculada ao Ministério do Turismo estaria muito mais próxima das atividades do segmento.

A EDUCAÇÃO DOS ECOTURISTAS - O "NO VOU"
A mídia deve também cumprir seu papel ao estimular o poder de veto dos ecoturistas, quando sob o risco de embarcar numa atividade sem segurança. Mesmo sem ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU o ecoturista tem o direito de dizer não. Criemos o "NO VOU", fazendo um paralelismo com o NO SHOW das companhias aéreas. Nesse NO VOU, o ecoturista tem o direito de se recusar a realizar qualquer atividade ou utilizar qualquer meio de transporte que não lhe ofereça as necessárias condições de segurança. E ser ressarcido pelo operador por este recuo. Desde que comprovadamente não havia a segurança. Caso o turista tivesse se valido desta prerrogativa ou desta coragem, talvez não tivéssemos tido o grande número de vitimas fatais no recente naufrágio em Cabo Frio.

AS PRERROGATIVAS DOS FORNECEDORES
Por outro lado cabe também enfatizar o direito do fornecedor, do transportador, do guia, de se recusar a avançar na segurança a pedido do próprio turista, do próprio cliente. Muitas vezes é o aventureiro que quer ir além dos limites recomendados de segurança, para explorar mais de perto o perigo, sem que o equipamento seja próprio para isso. "Nem todas as cordas são para Bungee Jump." Talvez outra tivésse sido a sorte de uma inteira família de milionários americanos, se o piloto tivesse recusado a se aproximar em demasia do Monte Quênia, de maneira que o patriarca pudesse mostrar à família o monte que ele tinha recentemente escalado. Talvez, se o piloto tivesse tido a coragem de dizer NÃO VOU, estariam hoje todos eles sãos e salvos em suas fazendas no Texas. O que não dizer do guia, que muitas vezes é levado a praticar atos que contrariam as mais lógicas normas de segurança para satisfazer seus aventureiros, sob intensa pressão até coação destes.

A AVENTURA É UMA COISA DEMASIADO SÉRIA PARA SER DEIXADA NAS MÃOS DE AVENTUREIROS
E o que dizer das empresas de "fundo de casa", em que seus donos acabaram de realizar sua primeira caminhada, ou seu primeiro curso, e já se põem no mercado oferecendo seus serviços a preços menores do que os das empresas sérias e experientes, e que, sob o manto dos contratadores incautos, acabam levando sem responsabilidade pessoas individuais e grupos de respeitadas empresas para as atividades para as quais não se encontram suficientemente preparados. A época do amadorismo precisa ter um fim em nosso país. Se queremos realmente sermos vistos como um país sério, e com isso desafiar De Gaulle, precisamos todos, empresários, mídia, fornecedores e também consumidores, passar a enxergar além do imediatismo, do achismo, para mirar em respeito ao conhecimento, à especialização, ao profissionalismo, e à responsabilidade social. Faz parte de nossa lição de casa como povo e país candidatos à grandeza.